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terça-feira, 15 de abril de 2014

SETE-LUAS E SETE-SÓIS: UM VERDADEIRO ECLIPSE


Blimunda e Baltasar. Sete-luas e sete-sóis. Muitas diferenças, mas tudo em comum.Total eclipse. Os opostos se atraem e completam-se. Um amor que transcende os historiais. Saramago com Memorial do Convento mostra-nos a oposição do amor contratual do rei/rainha e de Blimunda/Baltasar. Um amor puro, eloquente, um amor que mantém vivo além das vontades.




De nacionalidade portuguesa e filho de camponeses, nasce em Azinhaga, província do Ribatejo, José Saramago no dia 16 de novembro de 1922.Os pais de Saramago imigraram para Lisboa antes mesmo dele fazer dois anos de idade, sendo que a maior parte da sua vida correu na capital. Saramago seguiu estudos secundários, mas parou por aí, visto que, as dificuldades económicas impediram de prosseguir. O primeiro trabalho de Saramago foi o de serralheiro mecânico entre outros que viria futuramente. Terra de pecado foi o primeiro romance de José Saramago, que foi publicado em 1974.

Saramago durante doze anos trabalhou numa editora, onde ele era diretor literário e de produção. Em 1972 e 1973 fez parte da redação do Diário de Lisboa, onde foi comentador político. Em 1982 José Saramago publica Memorial do convento. Casa-se com Pilar del Río em 1988. Saramago até hoje é eternamente lembrado pelo seu nobel de literatura que foi conquistado em 1998.

Além disso, bastaria dizer que Saramago é o exclusivo prémio nobel da Literatura de língua portuguesa. A obra de Saramago foi traduzida em todo o mundo, teve adaptações para o cinema, o teatro e até fonte de inspirações para uma ópera. Saramago nunca seguiu um padrão literário, é um escritor que explora a filosofia, a religião, a política e principalmente a história como alimento do conteúdo dos seus romances.

Memorial do Convento é uma das grandes obras de Saramago, um romance que baseados em fatos históricos traduz a forma de viver e os costumes e tradições de uma época onde reinava o poder, a injustiça, a fome e o trabalho desmedido. É um romance que mistura com homogeneidade a história e ficção levando o leitor a deleitar-se num tempo remoto.

A medida que vamos acompanhando a história e conhecendo o amor de Baltasar e Blimunda eles começam a chamar bastante atenção devido à perfeita construção de suas personagens como representação de um objetivo e a perfeita harmonia entre estas. A relação de Blimunda e Baltasar é um exemplo de vida. Ele é maneta, perdeu sua mão esquerda na guerra de Espanha, ela vê por dentro das pessoas, tem poderes sobrenaturais. Os dois não possuíam riquezas, faziam parte do nível mais baixo da sociedade e eram alimentados por algo mais rico que existe: o amor.

Um amor verdadeiro, um amor que nasceu em um auto de fé, um amor que foi à primeira vista. É fundamental ressaltar que o autor deixa bem claro a oposição do amor do rei/rainha onde os dois possuíam um contrato entre casas régias, onde existia um casamento que foi realizado sem amor, uma vida opulenta e luxuosa, um amor que sofria diversas frustrações pessoais, visto que a rainha sonhava em ter um filho.

No entanto, o amor verdadeiro pertencia à Blimunda e Baltasar, onde o amor era amor, onde a vontade dos dois se coincidiam, onde a consumação carnal foi concebida antes do casamento, onde era realmente vivido e partilhado o verdadeiro amor. A vida que eles levam, até mesmo depois dos dois começarem a viver juntos, revela a vida de todas outras pessoas na mesma condição social dos dois. Eles são especiais tanto um para o outro, quanto para o romance.

Carinho, amizade, cumplicidade, afetividade, envolvimento sentimental e principalmente amor, são apenas alguns exemplos da base da relação entre eles, sem mencionar o segredo de Blimunda e a forma como este era tratado por ela e por Baltasar. Desde o princípio já sabiam que ficariam juntos, mesmo sem saber ao certo o porquê. “Há muitos modos de juntar um homem e uma mulher, mas, não sendo isto inventário nem vademeco de casamentar, fiquem registrados apenas dois deles, e o primeiro é estarem ele e ela perto um do outro, nem te sei nem te conheço, num auto-de-fé, da banda de fora, claro está, a ver passar os penitentes, e de repente volta-se a mulher para o homem e pergunta, Que nome é o seu, não foi inspiração divina, não perguntou por sua vontade própria, foi ordem mental que lhe veio da própria mãe, a que ia na procissão, a que tinha visões e revelações, e se, como diz o Santo Ofício, as fingia, não fingiu estas, não, que bem viu e se lhe revelou ser este soldado maneta o homem que haveria de ser de sua filha, e desta maneira os juntou.” (SARAMAGO-MC, p.107-108)

Como é notório no trecho acima, esse amor nasce do nada, nasce apenas do desejo e obediência da mãe. Blimunda, com seu olhar de mistério, envolve Baltasar, que, logo no início, percebe estar diante de uma mulher muito especial, alguém que pode ver muito além do que os olhos podem alcançar.Blimunda de Jesus é “batizada” de Sete-Luas pelo Padre Bartolomeu de Gusmão, pelo seu misterioso poder de ver o que há por trás da pele das pessoas, ou seja, vê às escuras, e Baltasar tem o ápodo de Sete-Sóis porque vê às claras. Os dois são um só.

Blimunda se entrega de corpo, alma e com virgindade para Baltasar na sua própria casa, com quem partilha a mesma vontade, o mesmo espaço e o mesmo segredo.Após o auto de fé, Blimunda segue para casa e deixa a porta aberta mostrando a Baltasar a sua disponibilidade. Blimunda prepara-lhe sopas e espera que Baltasar termine para que se sirva da sua colher, mostrando a comunhão, outra vez a disponibilidade e a partilha. O padre, depois disto, deita-lhe a bênção e declara-os marido e mulher.

Sete-sóis e sete-luas fazem parte da construção da Passorola, idéia do Padre Bartolomeu de Gusmão. Blimunda era extremamente importante na construção, visto que, para além de recolher as vontades, a importância de Blimunda é também a capacidade de ver as coisas por dentro, utilizando então a magia para ajudar na construção, em que ela via os materiais por dentro para verificar se estavam em bom estado para a utilização na máquina, caso contrário a Passarola jamais voaria. Conseguem. Os três sobem ao céu e contemplam a maravilha que é a ser grande lá do alto. Mas como é dito o ditado que “ tudo que é bom dura pouco” com eles não foi diferente, a passarola cai e todos se estatelam no chão.

Os dois estavam sempre juntos. Sofriam juntos, lutavam juntos. Saramago em entrevista ao jornal PÚBLICO em 1991, ele disse que "Essa senhora (Blimunda) fez-se a si própria. Nunca a projetei para ser assim ou assim... Foi no processo da escrita que a personagem se foi formando. E ela surge, surgiu-me com uma força que, a partir de certa altura, me limitei a... Acompanhar. Aquele sentimento pleno de personagem que se faz a si mesma é a Blimunda. Mas, é curioso, só no fim me apercebi de que tinha escrito uma história de amor sem palavras de amor... Eles, o Baltasar e a Blimunda, não precisaram afinal de as dizer... E no entanto, o leitor percebe que aquele é um amor de entranhas... Julgo que isso resulta da personagem feminina. É ela que impõe as regras do jogo... Porquê? Porque é assim na vida... A mulher é o motor do homem. Se você vir, os meus personagens masculinos são mais débeis, são homens que têm dúvidas, são personagens masculinos com complexos... As mulheres, não."

Blimunda é usada pelo autor para mostrar a sua descrença em relação ao clero, à nobreza e aos falsos conceitos morais. E é usando uma ironia que ele revê o passado de Portugal dando ênfase a esses fatos marcantes. O romance nos leva à reflexão através de Blimunda e mostra a importância de ver o mundo de forma verdadeira, sem máscaras, sem hipocrisia. E revendo o passado com o olhar crítico da atualidade, Saramago nos convida, através do romance, a questionar o real sentido das coisas.

Amor verdadeiro. Concluo este artigo assim. Falo do amor que tem a finalidade de unir e juntar perpetuamente duas pessoas numa só, apto de fazer ultrapassar os mais diversos obstáculos...isto sim é o amor verdadeiro! Um amor que fez Blimunda andar descalça por nove anos à procura de Baltasar. Nove anos e não nove dias.

Nove anos a subir e a descer, nove anos a perguntar pessoas se não viram passar por aí um homem maneta que voou com uma máquina. Nove anos e nada dele. Em Lisboa Blimunda vê no auto de fé um homem prestes a ser queimado, um pouco mais novo, mas que parecia Baltasar, era também maneta. Ela olhou-o e recolheu a sua vontade, porque ele lhe pertencia. “Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda."



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