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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sobre a infância do poeta que só usa a palavra para compor silêncios...




Os poetas são geralmente acometidos pela vontade - alguém diria "necessidade" - de produzir uma "grande obra" ou uma sequência de obras que marque definitivamente seu nome na História. Ao grande - alguém diria "enorme e inesquecível e..." - Manoel de Barros, poeta cuiabense, correu a ideia de fazer uma "biografia poética", que iria abranger sua infância, juventude, vida adulta e velhice.

O poeta escreveu os poemas da "Infância" e, quando iria começar os poemas da "Juventude", percebeu que tudo em sua vida era infância. Em Manoel, tudo é infância. Logo, o que o consenso chamaria "infância", ao poeta, é apenas a "Primeira Infância".

Manoel - que foi indicado como o maior poeta do País por Drummond - ainda recusa-se a dizer que são memórias recontadas ou apenas fatos revestidos da cutícula da Poesia, afirma ele que são "memórias inventadas". Serve de epígrafe o verso:

"Tudo o que não invento é falso"

Fica bem claro ao longo das memórias inventadas na primeira infância as odes a quem introduziu o poeta no mundo das coisas:

"Daí que também a vó me ensinou a não desprezar as coisas
desprezíveis
E nem os seres desprezados."
Manoel de Barros, em "Obrar"



O poeta ainda enxerga-se bardo desde sempre, conduzindo inclusive referência ao sentimento "gauche" do grande Drummond quando escreve:

"O menino que era esquerdo e tinha cacoete pra poeta, justamente ele enxergara o pente naquele estado terminal. E o menino deu para imaginar que o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam na solidão daquele pente."
Manoel de Barros, em "Desobjeto"

Como presente noutros poetas, o sentimento de encanto pelo silêncio - que não se sabe se é medo ou querer-ter - também está presente na poesia de Manoel. Ele versa:

"A esse tempo também eu aprendi a escutar o silêncio
das paredes."
Manoel de Barros, em "Parrrede"

"Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
[...]
Só uso a palavra para compor meus silêncios."
Manoel de Barros, em "O apanhador de desperdícios"



Há ainda nas reflexões sobre a primeira infância o sentimento de não poder se adaptar a profissões "comuns", como se não houvesse lugar para o poeta no ramo das profissões e ele se põe como "fraseador":

"Hoje eu completei oitenta e cinco anos. O poeta nasceu de treze. Naquela ocasião escrevi uma carta aos meus pais, que moravam na fazenda, contando que eu já decidira o que queria ser no meu futuro. Que eu não queria ser doutor. Nem doutor de curar nem doutor de fazer casa nem doutor de medir terras. Que eu queria era ser fraseador."
Manoel de Barros, em "Fraseador"

E talvez o poeta de Cuiabá dialogue com Rimbaud, o poeta maldito, que escreve:

"Tenho horror a todos os empregos. Operários e patrões, todos rústicos, ignóbeis. A mão que escreve vale a mão que lavra. - Que século de mãos! - Jamais darei as minhas."
Arthur Rimbaud, em "Sangue Mau"

Ainda na primeira infância de Manoel vê-se um uso poético do "erro gramatical", o que nos lembra do caráter modernista do mestre. O advento do "erro" serve para reforço a ideia de "invenção" da poesia de Manoel:

"Mais alto do que eu só Deus e os passarinhos.
A dúvida era saber se Deus também avoava
Ou se Ele está em toda parte como a mãe ensinava."
Manoel de Barros, em "Brincadeiras"

"Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos. Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério."
Manoel de Barros, em "Cabeludinho"



Por fim, algo que grita, ou melhor, que canta em Manoel é a lembrança saudosa e poética dos quintais. Todo menino que conhece o interior sabe que o quintal é um mundo e Manoel conhece o interior...

"Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade."
Manoel de Barros, em "Achadouros"

Sem medo, o poeta afirma no poema "O apanhador de desperdícios":

"Meu quintal é maior do que o mundo."
Fonte: Obvious.

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