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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Nem a rosa, nem o cravo…

Jorge Amado
As frases perdem seu sentido, as palavras perdem sua significação costumeira, como dizer das árvores e das flores, dos teus olhos e do mar, das canoas e do cais, das borboletas nas árvores, quando as crianças são assassinadas friamente pelos nazistas? Como falar da gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as bestas soltas no mundo ainda destroem os campos e as cidades?
Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das coisas mais belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães danados destruíram os trigais e os povos morrem de fome. Como falar, então, da beleza, dessa beleza simples e pura da farinha e do pão, da água da fonte, do céu azul, do teu rosto na tarde? Não posso falar dessas coisas de todos os dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a água, o céu, o mar e teu rosto. Contra tudo que é a beleza cotidiana do homem, o nazifascismo se levantou, monstro medieval de torpe visão, de ávido apetite assassino. Outros que falem, se quiserem, das árvores nas tardes agrestes, das rosas em coloridos variados, das flores simples e dos versos mais belos e mais tristes. Outros que falem as grandes palavras de amor para a bem-amada, outros que digam dos crepúsculos e das noites de estrelas. Não tenho palavras, não tenho frases, vejo as árvores, os pássaros e a tarde, vejo teus olhos, vejo o crepúsculo bordando a cidade. Mas sobre todos esses quadros bóiam cadáveres de crianças que os nazis mataram, ao canto dos pássaros se mesclam os gritos dos velhos torturados nos campos de concentração, nos crepúsculos se fundem madrugadas de reféns fuzilados. E, quando a paisagem lembra o campo, o que eu vejo são os trigais destruídos ao passo das bestas hitleristas, os trigais que alimentavam antes as populações livres. Sobre toda a beleza paira a sombra da escravidão. É como u’a nuvem inesperada num céu azul e límpido. Como então encontrar palavras inocentes, doces palavras cariciosas, versos suaves e tristes? Perdi o sentido destas palavras, destas frases, elas me soam como uma traição neste momento.

Mas sei todas as palavras de ódio, do ódio mais profundo e mais mortal. Eles matam crianças e essa é a sua maneira de brincar o mais inocente dos brinquedos. Eles desonram a beleza das mulheres nos leitos imundos e essa é a sua maneira mais romântica de amar. Eles torturam os homens nos campos de concentração e essa é a sua maneira mais simples de construir o mundo. Eles invadiram as pátrias, escravizaram os povos, e esse é o ideal que levam no coração de lama. Como então ficar de olhos fechados para tudo isto e falar, com as palavras de sempre, com as frases de ontem, sobre a paisagem e os pássaros, a tarde e os teus olhos? É impossível porque os monstros estão sobre o mundo soltos e vorazes, a boca escorrendo sangue, os olhos amarelos, na ambição de escravizar. Os monstros pardos, os monstros negros e os monstros verdes.

Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim, têm um significado neste momento. Houve um dia em que eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces vocábulos, as frases mais trabalhadas. Hoje só o ódio pode fazer com que o amor perdure sobre o mundo. Só o ódio ao fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem perdão, um ódio que venha do coração e que nos tome todo, que se faça dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver qualquer espetáculo – desde o crepúsculo aos olhos da amada – sem que junto a ele vejamos o perigo que os cerca.
Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!
Publicado originalmente no jornal Folha da Manhã, 1945.
FONTE: Contos do Covil
Jorge Amado e Zélia Gattai
Jorge Amado, o filho João Jorge, Zélia Gattai e a filha Paloma
O Site Lima Coelho já publicou de Jorge Amado:
Trechos de Cacau, Seara Vermelha e Cinco Histórias (29.03.2008)www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=1313

O Site Lima Coelho já publicou sobre Jorge Amado:
1. Para Zélia Gattai, escrever sobre Jorge Amado é "trazê-lo de volta" (entrevista à Carla Nascimento)
www.limacoelho.jor.br/falatigre/ler.php?id=645
2. Jorge Amado: marido e mestre & Discurso de posse na ABL. Zélia Gattai (29.03.2008)
www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=1312
3. À mesa com Jorge Amado - Maria Lectícia Monteiro Cavalcanti (04/3/2010) www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=3403
4. Odeio prepotência - Paloma Jorge Amado (02.05.2011)
www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=5229
(Jorge Amado, 1996)
Brasil prepara homenagem para marcar 10 anos da morte de Jorge Amado
Escritor baiano morreu no dia 6 de agosto de 2001; se estivesse vivo, completaria 99 anos na próxima quarta

As autoridades da Bahia preparam os últimos detalhes para a homenagem que lembrará os 10 anos da morte de Jorge Amado, que será realizada na próxima semana devido à data de aniversário de seu nascimento.
Autor de obras que foram traduzidas para 49 idiomas, Amado morreu em 6 de agosto de 2001, quatro dias antes de completar 89 anos. Pela proximidade das duas datas, as autoridades resolveram escolher a do nascimento, que, se o escritor estivesse vivo, completaria 99 anos.
Os atos da próxima quarta-feira marcam o início e apresentação oficial do programa de atividades do "Ano Jorge Amado", apesar de que grande parte dos eventos mais significativos serão realizados em 2012, quando for o centenário de seu nascimento.
Desde o dia 10 e até fim de 2012, o país lembrará a palavra do escritor que, apaixonado do povo, retratou personagens que permanecem gravadas na memória dos brasileiros, em parte graças às adaptações em cinema e televisão.
A Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador, será o cenário da apresentação da programação, que inclui exposições, estreias de novas adaptações de sua obra e ciclos de conferências.
Na mesma noite de quarta-feira, o escritor moçambicano Mia Couto, oferecerá a conferência "Um Mar Vivo: Como Jorge é Amado na África", em uma sessão que promete esmiuçar uma leitura africana da obra do brasileiro.
A diretora da fundação, Myriam Fraga, considera que Amado, homenageado em 1994 com o Prêmio Camões, o mais destacado em língua portuguesa, deu significado à palavra povo.
Para a especialista, o fato de Amado ter morrido sem ter recebido o prêmio Nobel de Literatura foi uma "injustiça" com o escritor, mas também com o Brasil e com a língua portuguesa, que só obteve esse reconhecimento na figura de José Saramago.



Jorge Amado levou sabor e sensualidade do Brasil para o mundo
Considerado o mais universal dos autores brasileiros, escritor assinou obras como "Gabriela, Cravo e Canela"

Jorge Amado ao lado da mulher, Zélia Gattai

No dia 6 de agosto de 2001 morreu o escritor brasileiro Jorge Amado, que levou o sabor, os mitos e a sensualidade do Brasil para todo o mundo com títulos como "Gabriela, Cravo e Canela" e "Dona Flor e Seus Dois Maridos". Nascido em 10 de agosto de 1912 - ano que vem o país celebrará seu centenário - em Ferradas, na Bahia, Amado foi traduzido para 42 idiomas e seus mais de 30 livros publicados o transformam no escritor mais universal do Brasil.
Este brasileiro de cabelos brancos, com aspecto bonachão e um grande paladar, começou a escrever aos 14 anos como jornalista no "Diário da Bahia", depois formou-se em Direito e, em 1931, com apenas 18 anos, publicou seu primeiro romance, "O País do Carnaval", uma novela na qual já estamparia suas inquietações, seu compromisso social e sua militância política, que ocupa toda a primeira parte de seu ciclo literário.
Sua preocupação pela desigualdade, a pobreza, a marginalização e a escravidão, o levou a militar pelo Partido Comunista brasileiro e a viajar por toda América e Europa; um compromisso o que resultou em exílio. Esteve 11 vezes preso e viveu dois anos na Argentina (1941-42) e cinco na Europa (1948-52). Prêmio Internacional Stalin e deputado comunista em 1946, Jorge Amado foi pouco a pouco se desamarrando de sua atividade mais comprometida e caiu na pura criação literária.
Viria assim depois sua segunda etapa criativa, marcada pela alegria, a ironia e a vitalidade, com títulos como "Gabriela, Cravo e Canela" (1958), "Os Velhos Marinheiros" (1961), "Os Pastores da Noite", (1964) e "Tenda dos Milagres" (1969). Além de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1966), "Tereza Batista Cansada de Guerra" (1972) e "Tieta do Agreste" (1977), entre outros livros, com a mulher como protagonista em muitos deles.
"Começou escrevendo romances muito comprometidos socialmente, quase nas margens do realismo socialista, graves, tristes, e depois, à medida que foram passando os anos, foi rejuvenescendo e escrevendo histórias de humor, de alegria de viver e sensualidade, com uma liberdade de invenção e de palavras como a de um jovem", disse Mario Vargas Llosa quando o escritor brasileiro morreu.
Vargas Llosa, grande admirador de Amado, cuja "extraordinária generosidade" e "qualidade humana fora de série" sempre se destacou, reivindicou para o brasileiro o Prêmio Nobel cada vez que teve oportunidade: "Por sua capacidade de renovação, sua coerência e potência narrativa; mas, bom, está em boa companhia, com outros grandes ausentes, como Borges e Navokov", sustentou.

“A gente vive numas brenhas danadas, derrubando mata pra plantar cacau, labutando com cada jagunço desgraçado, escapando de mordida de cobra e de tiro de tocaia, se a gente não comer bem, o que é que vai fazer?" Jorge Amado, in Terras do Sem Fim 

NÃO SE META NA VIDA DOS OUTROS - "Eu estava escrevendo o romance ['Crônicas de uma Namorada'] e o Jorge de longe... espiando. Eu disse: estou escrevendo um romancinho. E ele, muito desconfiado. Eu fui ficando muito calada e ele perguntou: 'você está com algum problema?' Estou, estou mesmo, respondi. Você imagine que aquele personagem, o rapazinho, está avançando o sinal. Está passando a mão na menina (a prima), está fazendo coisas que não deve, e acho que vou cortar as asas dele, afirmei. Aí Jorge me disse: 'não corte não. Não corte as asas dele de jeito nenhum'. Por que? E Jorge interrogou: 'e a menina?'. A menina... está adorando, está gostando, falei. E ele completou: 'está gostando é, que ótimo. Então vou te dar um conselho, não se meta na vida dos outros'."
[Zélia Gattai, in "Não faça literatura, escreva com o coração, aconselhou a Zélia Gattai"]

 

Veja o curta A casa do Rio Vermelho, de Fernando Sabino:
Na Casa do Rio Vermelho mostra o cotidiano de Jorge Amado (1912-2001) na residência de Salvador em que viveu ao lado de Zélia Gattai, cercado dos filhos, netos e amigos. No filme aparecem Mario Cravo, Scliar, Mirabeau, Calazans Neto, Carybé, Dorival Caymmi, Mãe Menininha do Gantois e Camafeu de Oxóssi.
Direção: Fernando Sabino e David Neves
Direção de fotografia: David Neves
Narração: Hugo Carvana
Produtora: Bem-Te-Vi Filmes
Ano: 1974

FONTE: Site Lima Coelho

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